Década de 70, época em que a Ditadura Militar procura controlar as manifestações populares, onde o falso nacionalismo e o tecnicismo robotizava os esportes e a capoeira. Para quebrar este paradigma surge em São Paulo o Grupo de capoeira Capitães da areia, contestando a colocação da capoeira, essencialmente, como sinônimo de esporte e competição. Fundado por Almir das Areias, hoje Anande das areias, reunindo os mestres Demir, Waldir, Baiano, Carioca e Pessoa, que não aceitaram esta descaracterização imposta a capoeiragem, alegando que esta capoeira-esporte deixava de lado todos os outros conjuntos de expressões que ela conseqüentemente representa.
Mestre Anande começa a aprender a capoeira em sua terra natal, Itabuna, com o mestre Luiz Medicina, aluno do mestre Suassuna. Contam que mestre Anande era um verdadeiro encrenqueiro e desordeiro em sua cidade, sendo conhecido popularmente como Cabelo Doido. Sem perspectivas na sua região, mestre Anande já um aluno intermediário em capoeira, resolve migrar para São Paulo em busca de melhores condições, aqui chegando procura a academia de mestre Suassuna, já estabelecida no bairro da Santa Cecília. Assim mestre Anande, passa a treinar, se formando com mestre Suassuna.
Ao discordar de mestre Suassuna em muitos aspectos, mestre Anande inaugura o seu próprio trabalho, localizado no bairro operário do Braz, porém, outras sedes foram abertas, uma na rua figueira e outra na Rua Vitório Camilo. Seu trabalho foi fundamentado através de pesquisas teóricas e práticas além de investigações históricas da capoeira e de um aprimoramento técnico da luta.
Mestre Anande, teve a percepção que a capoeira precisava de um aprimoramento técnico, este insite ocorreu quando jogava em uma roda e esquivou para o lado contrário ao que vinha o movimento, tendo o seu braço quebrado ao ser atingido por uma meia lua de compasso certeira. Assim, criou o seu método, baseado nas defesas, priorizando a esquiva para o lado que vai o golpe e exigindo a proximidade dos jogadores.
O mestre, consegue materializar de forma eficaz a criação da sua técnica e idéias, em um de seus discípulos, o seu irmão de sangue: mestre Demir.
A exigência com mestre Demir foi enorme, pois mestre Anande tinha que afirmar a sua capacidade como mestre, revelando para a comunidade capoeiristica de São Paulo a sua “criação”. Mestre Demir, tornou-se a mais pura tradução da técnica Capitães da Areia e um dos capoeiristas mais temidos e técnicos da sua época. Logo após, surgem outros formados do mestre, também exímios capoeiristas, mestre Waldir, mestre Baiano, mestre Carioca e mestre Pessoa.
Em decorrência das pesquisas históricas foi elaborado um sistema próprio de graduação, baseado nas transformações sociais sofridas pelo negro durante a escravidão. Eram usados como forma de graduação correntes, cordas e o lenço de seda, procurando representar a graduação com símbolos da opressão branca e da resistência negra.
Desta forma os Capitães contestavam o sistema adotado pela Federação Paulista de capoeira, que utilizava de forma ingênua as cores da bandeira nacional para identificar as graduações, esta onda de civismo era imposta não somente a capoeira, mas em toda a sociedade, assim os militares usavam este sentimento patriótico do povo para justificar o seu autoritarismo.
Para fundamentar ainda mais a sua proposta, o grupo tem a colaboração de alguns intelectuais e professores universitários que colaboraram na empreitada política, intelectual e técnica do grupo. Estes profissionais atuaram como consultores, estruturando em conjunto o curso de capoeira da academia. Dentre os consultores estavam presentes: Miroel Silveira; Professor de Teatro Brasileiro na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, jornalista, escritor, dramaturgo, ator, diretor, professor, programador, redator, consultor literário, correspondente e crítico teatral, membro de comissões julgadoras, pesquisador, teatrólogo, diretor, tradutor, adaptador de romances, roteirista e autor de musicais. Nabuo Sato; atuou como técnico esportivo estruturando o treinamento físico do curso, a coreógrafa Yolanda Amadei, o antropólogo Roberto Foggeti de Almeida e o médico Luís Carlos Batarello. Mais tarde mestre Anande, manteve contato com sociólogo Clóves Moura, autor do livro Rebelião nas Senzalas, com os dançarinos Klauss Viana e Rainer Viana e com somaterapeuta Roberto Freire criador da terapia corporal e em grupo, baseada nas pesquisas do austríaco Wilhelm Reich, buscando o desbloqueio da criatividade, os conceitos de organização vital da gestalterapia e estudos sobre a comunicação humana da Antipsiquiatria e a capoeira.
Podemos dizer, que o Grupo Capitães da Areia, faz jus ao nome adotado, já que no romance homônimo de Jorge Amado, os Capitães da Areia” eram compostos por um conjunto de crianças abandonadas e desfavorecidas. Assim, mestre Anande, fundamenta sua proposta representando a sua capoeira como “arma dos oprimidos” e luta do fraco contra o forte, simbolicamente representando um “exercito popular” composto por trabalhadores, estudantes, mulheres, e artistas populares, se opondo e combatendo os capoeiristas que atuavam na Federação Paulista de capoeira e se identificavam com os opressores.
Quero ressaltar que, os Capitães d’ Areia, também acreditavam e encaravam a capoeira como esporte genuinamente brasileiro, mas não deixava de lado os outros aspectos importantes da nossa arte.
O que diferencia jogo de esporte, é que no jogo as regras são flexíveis e adaptáveis as situações e aos componentes da roda, para ser considerada apenas esporte tem que ocorrer a institucionalização de regras para a prática, definindo diâmetro da roda, tempo para o jogo, pontuação etc.... tudo isso é válido desde que não seja deixado de lado outros facetas essenciais que fundamentam e dão significado a prática da capoeira.
Hoje em dia vários capoeiristas falam e se vangloriam de praticarem o “estilo” Capitães da Areia, e não conhecem o seu fundamento. A “técnica” Capitães da Areias, foi apenas a materialização física de uma necessidade natural de liberdade e autonomia do capoeirista, gerando um desenvolvimento e um aperfeiçoamento técnico, visando a sobrevivência e afirmação dos verdadeiros valores da cultura popular, em um ambiente político de massificação e opressão.